23.2.11

O Lamento do Guerreiro

   Já faz algum tempo que não atualizo este Blog, pois estava em um momento de aprimoramento de idéias e reflexões (e vontade de postar), pretendo fazer deste Blog um local onde eu possa expressar as minhas visões e reflexões por meio de opiniões, contos e desenhos. Para ‘começar’ trago o “O Lamento do Guerreiro” que fala sobre o trauma da guerra e como desfecho demonstra como o homem se torna cada vez mais ambicioso e imprevisível.
[P.S.:Dessa vez não pude postar nenhum desenho para representar a história, mas logo, logo estarei postando ;D]
   
Amadeus A. Macedo.  

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O LAMENTO DO GUERREIRO
“... Por muitas vezes cogitei em não relatar o que aconteceu naquele dia, poderia eu guardar tal tormento somente para mim, porém parte de meu ser demonstraria migalhas de meus pensamentos e a vontade de expor-los só aumentaria, não sou um guerreiro bravo de coração gelado e tão pouco sou um sujeito sensível e depressivo, sou somente um humano normal, entre o bem e o mal, sempre moldado para atingir uma forma base, sinto emoções e sei segura-las quando possível, sempre seguindo um caminho e tentando se manter nele, enfim sou um humano e o que contarei será um relato breve dos sentimentos de um homem em uma guerra, de um humano em uma batalha...”.
   
   NAQUELE DIA O CÉU ESTAVA CINZA e os lagos congelados. Eu estava com minha família reunida na mesa, falávamos sobre o grande alce que havíamos capturado para janta enquanto esperávamos o mesmo assar na lareira, o dia estava frio e monocromático, vivíamos no condado de “Ilhá” na ponta do reino de ‘Ólleon’, rodeado por uma densa floresta a beira do mar. Ilhá era um local em risco, pois qualquer tentativa de ataque ao reino pelo mar, lá seria a retaguarda, escondida e desprotegida. Nos últimos meses tenho perdido meu sono com pesadelos, neles eu vejo ataques brutais e sempre vejo meus três filhos e minha amada mulher sucumbirem em meus braços, então me pergunto, ‘e se neste momento houvesse um ataque, seria eu, um simples e jovem camponês, capaz de defender Ilhá?’ E principalmente ‘seria eu, capaz de defender minha família?’, por sorte não fomos pegos de surpresa, o ataque foi premeditado.
  
   UM DIA ANTES avia nevado, o gelo congelara os galhos cinza das arvores, lembro-me de ver um peixe preso entre o lago congelado e lembro-me de olhar bem para os seus olhos agonizantes, tudo ali me trazia mal estar, o cenário cinza, as arvores velhas, os lagos congelados, as folhas úmidas ao chão, o lodo no pé das arvores e o barulho dos pássaros ao longe. Estávamos à espreita no pântano de Ólleon esperando qualquer sinal do exercito inimigo, seria um “ataque surpresa premeditado”, é claro que avia uma grande história por trás dessa guerra desconhecida pela maioria dos moradores das cidadelas, o que quer que acontecesse o exército inimigo não poderia chegar ao condado de Ilhá.
    Mais um dia avia se passado e fui mandado para os batalhões do campo que se encontrava em um acampamento, lá eu pude ver pessoas como eu, pais de família, homens simples, preocupados com a própria vida, situados entre o bem e o mal.
    O dia estava amanhecendo vagarosamente enquanto estava eu em um dos meus raros minutos de sono, havia grande movimentação, eu não queria ser acordado com a noticia de que a minha morte estaria próxima, por minutos preferiria estar morto, tampava a respiração a cada segundo, um frio na barriga me deixava em posição fetal, como no ventre de minha mãe, ali eu estava seguro. Fui retirado bruscamente de minha cabana e vi um grande tumulto, homens choravam, vomitavam e corriam. A face velha de muitos demonstrava o medo inconsolável, os que aparentavam fraqueza demonstravam destreza e os que aparentavam experiência clamavam por piedade, pus um colete de ferro e um elmo barato, me deram um facão, uma lança e um escudo, fui posto na frente de batalha, eu estava na segunda fileira de soldados, tentei regressar para sexta, ou sétima, porém percebi que todos tentavam isso de tal modo que parte do exército recuava. Os soldados ao meu lado vomitavam em minha armadura e em meus pés, quando entrei em um estado de transe, por um momento eu me vi sozinho naquele campo enorme, ao longe eles vinham velozmente, eram assustadores, porém quando se aproximaram pude ver que eram apenas humanos fadados ao mesmo destino que o nosso.
    ‘Vivo no mundo intermediário, entre o bem e o mal, porém agora passarei pelo estagio mais doloroso de todos, eu estava sendo arrastado para o caos do inferno’ diante disso eu rezei e pus meu escudo a minha frente e segurei a lança ao lado, que pesava como nunca antes, eles estavam há poucos metros de distância, possuíam apenas lanças, vestiam apenas calças e suas peles eram pintadas de azul, gritavam insanamente, mal pude ver quantos eram, no silêncio do impacto pude claramente ouvir algum soldado dizer ‘Hoje Deus, eu renuncio o teu nome e peço a satã que me de todo o seu ódio para eu enfrentar este dia, amem’.  
     Fui derrubado por uma avalanche humana, eu estava paralisado, nenhum golpe desferido, nenhum golpe recebido, fui engolido por corpos e gritos, fui engolido por sangue e toda a insanidade de uma guerra. A minha lança já havia caído, eu havia caído e o meu escudo me impedia de ser esmagado. Levantei-me no momento em que o nosso exercito estava em vantagem, peguei o facão e ataquei, minha visão turva e embaçada me impedia de ver qualquer coisa, fechei os olhos e quando os abri novamente vi o meu facão enterrado na jugular de um inimigo, eu havia matado pela primeira vez, o homem caiu, porém retornou e tentou me derrubar, naquele momento eu percebi que não era o único que tentava proteger a família e acima de tudo sobreviver, esta filosofia era geral ali, todos queriam ter mais um dia de vida no calor de suas casas, eram pobres humanos, pois eles choravam ao morrer. Fiquei para trás e logo eu não estava em meio à batalha, então eu apaguei.
       Lembro-me de despertar e ver guerreiros de Ólleon matando os sobreviventes do exercito inimigo, eles gritavam por piedade, mas eram trucidados vivos, suas peles eram arrancadas e eles eram queimados, muitos foram enterrados vivos e outros apenas decapitados, alguns morriam bravamente como verdadeiros guerreiros e outros imploravam pela vida até se urinarem, apertei meus olhos e chorei.
     Na semana seguinte eu estava em casa no calor de minha família, festejaram a noite, “éramos heróis”, heróis lutam pelo bem da humanidade, eu não era isso, eu era uma pessoa que matara para se manter vivo, que matara para poder ter o calor da família e do lar, eu não era um herói, eu era parte do resultado da ambição humana e não um herói. E mesmo com o fim da batalha eu sinto que logo outras guerras virão e eu somente poderei ter uma boa noite de sono quando o mundo se unificar, todos os povos e todas as raças se unirem em uma só nação, mas no fundo sei que isso nunca acontecerá pela iniciativa humana.